Histórico da Lei de Licitações no Brasil |
Este artigo detalha a evolução da legislação acerca de licitações no Brasil, formando o arcabouço legal das compras e contratações na administração pública federal brasileira, na medida em que destaca as principais mudanças e conceitos introduzidos pela Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/21). Neste sentido, é importante analisar o contexto político e econômico que impulsionou as reformas ao longo do tempo, os marcos legislativos relevantes e as inovações presentes na legislação mais recente.
1. Contexto Histórico e Impulsionadores das Reformas
É importante salientar que as compras e contratações públicas no Brasil têm sido alvo de um movimento contínuo de reformas desde a década de 1980, diante de diversos fatores e contextos que impulsionaram essas mudanças, incluindo as seguintes questões:
- Pressões Internas: A necessidade de equilíbrio fiscal, controle das despesas, aumento da transparência e combate à corrupção foram motores constantes das reformas. O texto “A trajetória da construção do arcabouço legal das compras e contratações na administração pública federal brasileira” aponta que, desde os anos 1980, houve “pressões internas relacionadas com o equilíbrio fiscal e controle das despesas e ainda com a transparência e combate à corrupção” (FERNANDES, 2014).
- Processos de Integração Econômica e Acordos Internacionais: A integração econômica e a negociação de acordos de comércio internacional também exerceram influência nas reformas, buscando alinhar as práticas brasileiras a padrões internacionais.
- Transformações Políticas e Econômicas: Rupturas de regime político, mudanças ministeriais e crises econômicas abriram “oportunidades singulares para as mudanças no arcabouço legal”, como evidenciado pelo período de turbulência política entre 1930 e 1931, que permitiu a edição de decretos extraordinários suspendendo leis e regulamentos em vigor.
A abordagem tradicional de estudar as compras públicas como mero “instrumento” e não como “política pública per se” limitou a compreensão dos fatores políticos que influenciaram sua construção legal. E tudo isso comprometeu o resultado de sua aplicação na conquista de seus objetivos principais, que envolvem a qualidade do serviço público como um todo.
2. Marcos Legislativos Históricos da evolução da legislação
A legislação sobre licitações no Brasil remonta a 1862, quando foi instaurado o o Decreto nº 2.926/1862, que regulamentava as “arrematações” e execução de serviços do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
Outros marcos importantes na evolução legislativa incluem os instituros jurídicos descritos abaixo:
- Código de Contabilidade da União (Decreto nº 4.536/1922). Procedimento da “concorrência” e para julgamento, contratação e execução de contratos.
- Decretos de 1930-1931: Em um período de grande turbulência política, decretos como o Decreto nº 19.549/1930 suspenderam exigências e estabeleceram normas provisórias. O Decreto nº 19.587/1931 centralizou as compras.
- Decreto-lei nº 200/1967: Este decreto estabeleceu que na fase de habilitação seriam exigidos documentos relativos à personalidade jurídica, capacidade técnica e idoneidade financeira.
- Decreto-lei nº 2.300/1986: Considerado um grande marco na história das licitações no Brasil, este estatuto influenciou diretamente a Lei nº 8.666/93. Rigolin (2008, p. 192), citado em “EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO”, afirma que este decreto “marcou profunda e definitivamente seu lugar na história do direito Brasileiro”.
- Constituição Federal de 1988: Pela primeira vez, o instituto das licitações foi elevado a texto constitucional, estabelecendo a obrigatoriedade do procedimento e definindo a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais. A Constituição dispõe: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…) XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades…”.
- Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão): Introduziu a modalidade licitatória do pregão, vista como sinônimo de eficiência e agilidade para a aquisição de bens e serviços comuns.
3. Lei nº 8.666/1993 e o Combate à Corrupção
A aprovação da Lei nº 8.666/1993 se deu em um contexto de atenção pública à corrupção nas licitações, especialmente envolvendo empreiteiras de obras civis. A lei incorporou “regras rigorosas, detalhistas e exaustivas, voltadas para a prevenção da corrupção”. O Decreto-lei nº 2.300 foi “encarado como vulnerável à corrupção”, o que impulsionou a mudança.
4. Inovações e Mudanças da legislação de licitações no Brasil
A Lei nº 14.133/21, que completou três anos em abril de 2024, representa um marco na modernização das contratações públicas no Brasil. Ela substituiu integralmente as Leis nº 8.666/93, nº 10.520/2002 e nº 12.462/2011. Veja a seguir as principais mudanças e invovações.
Principais mudanças e inovações introduzidas pela nova Lei de Licitações são descritas a seguir:
- Inexigibilidade de Licitação: A nova lei esclarece os critérios para inexigibilidade de licitação.
- Novos Critérios de Julgamento: Além dos critérios tradicionais (menor preço e técnica), incorpora o maior desconto, melhor técnica ou conteúdo artístico (para concorrências) e maior retorno econômico.
- Contratação Direta: Permitida apenas em casos de dispensa de licitação e inexigibilidade, com limites de valor e prazos.
- Modalidades Licitatórias: A modalidade pregão, já presente na Lei nº 10.520/2002, é mantida na nova lei, com escopo para bens e serviços comuns e foco no menor preço ou maior desconto. A modalidade leilão também é mantida para alienação de bens. A nova modalidade diálogo competitivo é introduzida para contratações complexas, permitindo a exploração de alternativas.
- Fases da Licitação: A nova lei altera a ordem das fases da licitação, invertendo a posição do julgamento e da habilitação. A fase de julgamento antecede a de habilitação, visando agilizar o processo, onde apenas o proponente vencedor é sujeito à verificação de habilitação.
- Preferência pela Forma Eletrônica: A nova lei estabelece a preferência pela realização de licitações de forma eletrônica.
- Sanções Administrativas: A nova lei adiciona à atividade sancionadora um caráter pedagógico, estimulando programas de integridade. Fixa parâmetros mínimo e máximo para multas.
- Tratamento Diferenciado para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (ME/EPP): A nova lei mantém e detalha o tratamento diferenciado e simplificado para ME/EPP, previsto na Lei Complementar nº 123/2006.
5. Desafios e Perspectivas da evolução da legislação de licitações no Brasil
A implementação plena da Nova Lei de Licitações enfrenta desafios, tais como a necessidade de completar a regulamentação infralegal e superar fragilidades na implementação de sistemas como o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), apontadas pelo TCU.
Devido ao extenso rol de inovações inseridas no conteúdo legal, decorrerá um tempo considerável até que estejam regulamentados todos os requisitos e parâmetros definidores do conjunto de procedimentos inerentes às licitações e contratações no âmbito do serviço público brasileiro.
A história das licitações e contratações públicas no Brasil é marcada por um movimento de busca por maior transparência, eficiência e combate à corrupção, impulsionado por fatores políticos e econômicos. Com isso, a Nova Lei de Licitações e Contratos representa um passo significativo nessa trajetória, introduzindo inovações que visam modernizar os processos, beneficiar fornecedores e promover políticas públicas mais eficazes.
A consolidação dessas mudanças demandará esforços contínuos na regulamentação, implementação e adaptação por parte de todos os envolvidos.
Referências legais
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Referências bibliográficas
FERNANDES, Ciro Campos Christo. A trajetória da construção do arcabouço legal das compras e contratações na administração pública federal brasileira: processo decisório e oportunidade política. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/jspui/bitstream/1/1716/1/A%20trajet%C3%B3ria%20de%20constru%C3%A7%C3%A3o%20do%20arcabou%C3%A7o%20Fernandes.pdf. Acesso em: 26/05/2025.
RIGOLIN, Ivan Barbosa; BOTTINO, Marco Tullio. Manual Prático das Licitações: Lei 8.666, de 21 de Junho de 1993. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.